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sexta-feira, 8 de abril de 2011

APROGEO-SP ENTREVISTA GEÓGRAFO DIRETOR TÉCNICO DO NÚCLEO DE MONUMENTOS GEOLÓGICOS DO INSTITUTO GEOLÓGICO DO ESTADO DE SÃO PAULO - SMA

Dando continuidade à sequência de entrevistas realizadas pela APROGEO-SP, a associação publica uma terceira conversa no Blog, agora entrevistando o Geógrafo Rogério Rodrigues Ribeiro, ainda em relação ao tema dos Riscos de Escorregamento e de Inundações. Abordando questões práticas e reais da atuação do profissional geógrafo, Rogério nos permite conhecer mais a respeito da prevenção, monitoramento e fiscalização de áreas de risco pelos órgãos públicos estaduais e municipais. Comenta ainda sobre legislação ambiental, planejamento urbano, minimização de impactos ambientais, compensação, infrações e multas.

Aproveitamos para agradecer ao Geógr. Rogério pela entrevista concedida ao nosso Blog. Convidamos a todos a participar, deixando suas dúvidas e comentários!

Currículo

Rogério Rodrigues Ribeiro

Geógrafo desde o ano 2000 pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências da Universidade de São Paulo (USP) onde também concluiu a licenciatura em Geografia. Mestre em Ciências (Programa de Geologia Sedimentar) pelo Instituto de Geociências da USP em 2003 e Especialista em Engenharia de Controle da Poluição Ambiental, pela Faculdade de Saúde Pública da mesma Universidade. Atualmente é Pesquisador Científico III, Diretor Técnico do Núcleo de Monumentos Geológicos do Instituto Geológico-SMA, desenvolvendo trabalhos nas áreas de Geomorfologia, Riscos Geológicos e Patrimônio Natural Geológico do Estado de São Paulo.

Currículo Lattes
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4250224E0



(APROGEO-SP) Você atuou como geógrafo em diversos órgãos públicos estaduais e municipais. É comum encontrar geógrafos atuando na identificação, prevenção e monitoramento de riscos nos órgãos públicos? Qual é a importância do trabalho do geógrafos nestas entidades?

(Geóg. Rogério Ribeiro) São muito poucos os geógrafos que tem atuado na gestão dos desastres naturais, em especial nos órgãos públicos. E isso é um sério problema, pois o geógrafo possui excelentes competências para atuar nessa área tão importante e com tamanha visibilidade nos últimos anos. É um campo promissor aos geógrafos. Explico mais. A gestão dos riscos pode ser dividida basicamente em quatro partes: prevenção, preparação para emergências e desastres, resposta e reconstrução. A prevenção é uma etapa onde o geógrafo pode participar na elaboração de cartas geotécnicas, mapas de suscetibilidade, mapeamentos das áreas de risco; desenvolvimento de projetos de educação ambiental contendo noções básicas de legislação ambiental e urbana e de percepção do risco a desastres. Na etapa de preparação para emergências e desastres, cabe a atuação dos geógrafos no desenvolvimento de planos de contingência, sistemas de alerta, planos preventivos, cursos de capacitação em Desastres, bem como desenvolver pesquisas nessa área. Na etapa de resposta ao desastre vejo que podemos atuar também na assistência às populações vitimadas, como, por exemplo, nas atividades assistenciais e de reabilitação do cenário do desastre, por meio da realização de vistorias, elaboração de pareceres e recuperação de unidades habitacionais de baixa renda. Por último, a etapa da reconstrução. Nesta cito ações para recuperar ecossistemas, reduzir vulnerabilidades, promover o ordenamento do uso e ocupação do solo, entre outras.


(APROGEO-SP) Como é realizado o mapeamento das áreas de risco de escorregamento e de inundação? Quanto tempo é necessário para elaborar um mapeamento desse tipo?

(Geóg. Rogério Ribeiro) O mapeamento de áreas de risco a escorregamento e inundação é uma ação que integra a etapa de prevenção aos Desastres Naturais. Para falarmos de mapeamento de áreas de risco é necessário entender basicamente o conceito de risco adotado para realizar estes trabalhos. Risco é considerado o produto da relação entre a probabilidade de ocorrência do escorregamento ou inundação, com a vulnerabilidade das formas de uso e ocupação e com o dano potencial a bens e pessoas. O mapeamento das áreas de risco de um dado espaço deve conter alguns mapas básicos como os de pluviosidade (excedente hídrico), compartimentação do terreno (morfologia e pedologia), vegetação e de uso e ocupação do solo. A partir dos mapas de pluviosidade e de compartimentação do terreno podemos fazer uma análise da suscetibilidade e perigo a escorregamento a que está sujeito aquele espaço em estudo. Já os mapas de vegetação e uso permitirão uma análise e compreensão melhor da vulnerabilidade e do dano potencial a que estão sujeitas as pessoas e bens em situação de risco. Juntando essas informações teremos condições de elaborar um mapeamento das áreas, bem como do grau de risco em que elas se encontram. O tempo necessário para a elaboração de um mapeamento de risco depende, basicamente, do tamanho do espaço a ser mapeado, número de equipes disponíveis para as atividades de gabinete e de campo, bem como contar com o mínimo de recursos que viabilizem o projeto.

(APROGEO-SP) Qual o papel da fiscalização ambiental municipal na prevenção aos riscos e qual a situação deste serviço público nas prefeituras?

(Geóg. Rogério Ribeiro) A fiscalização ambiental tem um papel fundamental na prevenção dos riscos a escorregamentos e inundação no domínio geográfico dos municípios. Um dos principais instrumentos a serem utilizados pelo fiscal ambiental nas prefeituras é o Código Florestal, especialmente em seu artigo 2º, que trata das Áreas de Preservação Permanente. Este documento postula a preservação de áreas situadas em topos de morro, margens de curso d' água, vertentes acima de 45 graus, planícies de inundação, entre outras, que na maioria das vezes são ocupadas de forma irregular e potencializam a origem de numerosas áreas de risco. As Lei Lehmann e de Crimes Ambientais, bem como seu decreto regulamentador, são também documentos que complementam a ação do agente fiscal. Entretanto, penso que a atuação do fiscal ambiental deve ser feita de forma compartilhada e integrada com os demais agentes municipais, especialmente os de uso urbano, da vigilância sanitária e de defesa civil, uma vez que esses setores contam com legislação própria e que são complementares às normas jurídicas ambientais. Quanto à situação desses servidores municipais nas ações de fiscalização, penso que é bastante preocupante. Somente nos últimos anos é que se tem observado que os quadros de agentes fiscalizadores ambientais são preenchidos por concursos públicos de carreira, com estabilidade, em substituição àqueles técnicos que assumiam os cargos por meio do comissionamento. Muitos dos servidores no cargo em comissão não se sentem seguros no cumprimento de suas funções, pois estão sujeitos ao "bom humor" e aos ditames daqueles que os mantém no cargo de confiança. Outro problema é o recorrente "déficit" de servidores. Muitos fiscais são responsáveis por fiscalizar até vários quilômetros quadrados de área. É necessário muito mais concursos. Finalmente, para ser um fiscal é necessário ter uma boa graduação e pesquisar bastante. Deve-se ter conhecimento mínimo dos principais atributos da biodiversidade (fauna e flora), da geodiversidade (geomorfologia, pedologia, geologia e climatologia) e de gestão ambiental (uso e ocupação, legislação, poluição, etc.). Acredito que o profissional formado em geografia possui bom trânsito nas áreas de fiscalização e licenciamento nas três esferas do poder público.


(APROGEO-SP) Os riscos de escorregamento estão diretamente associados à ocupação irregular de encostas, assim como os riscos de inundação em relação à ocupação das planícies fluviais. Como valorar ambientalmente o impacto causado por estas ocupações, que podem ser interpretadas como infrações ambientais, na aplicação de multas?

(Geóg. Rogério Ribeiro) Esse é um ponto complicado. No meu entendimento, aplicar sanções de multa em bens ambientais é muito mais complexo do que em muitos outros bens materiais. Para a aplicação de sanções de multa em pecúnia para cada atividade ou conduta lesiva ao meio ambiente, por exemplo, é necessário fazer um pequeno trabalho de valoração ambiental. Este é o primeiro problema que vejo. É uma atividade em que o fiscal não deve atuar sozinho. Deve contatar demais colegas das áreas da geodiversidade, da biodiversidade e da área sócio-econômica. Este trabalho de diagnóstico do impacto ambiental deve ser inter e multidisciplinar. É a partir deste estudo que o profissional da fiscalização terá melhores condições de fazer um cálculo adequado para a sanção de multa simples em pecúnia para as infrações administrativas ambientais. Um segundo problema a observar é que tanto a Lei de Crimes Ambientais, quanto seu Decreto Regulamentador, não definem ou fornecem o valor em pecúnia de cada unidade do objeto ambiental avaliado, como hectare, quilograma, metro cúbico, entre outros, que atendam às particularidades dos ecossistemas dos Estados e de seus respectivos municípios. Esta medida é fundamental para a melhor composição do dano ambiental e, conseqüentemente, facilitar a atividade fiscalizatória por partes dos agentes, diminuindo suas margens de livre arbítrio e poder discricionário. Como último problema, vejo que os agentes fiscais e licenciadores ambientais e de uso e ocupação do solo necessitam de uma adequada legislação que acolha suas atividades e atribuições, apoio político e suporte jurídico necessários para controlar as atividades e condutas lesivas ao meio ambiente.


(APROGEO-SP) É realmente possível prever a dimensão de escorregamentos com antecedência suficiente para retirar a população do local, ou a única opção segura é impedir a ocupação desses locais?

(Geóg. Rogério Ribeiro) Vejamos. O estudo da relação entre a forma de ocupação do espaço e a deflagração de potenciais desastres naturais pode ser dividido basicamente em dois momentos distintos: Prevenção e Intervenção. Em tese, antes de qualquer ocupação de um determinado espaço deve-se conhecer as condições do terreno, suas suscetibilidades e vulnerabilidades a processos geoambientais, em especial o de escorregamentos. Por meio de uma carta geotécnica ou de um bom mapa geomorfológico, é possível orientar diversas ações e/ou políticas públicas como zoneamentos ecológico-econômicos, planos de gerenciamento costeiro e, em nível local, os planos diretores municipais, entre outros. Estes documentos são valiosos instrumentos para orientar a correta forma de ocupação do solo, prevenindo a instalação de edificações em situação de risco. Entretanto, por motivos históricos ou por desrespeito a essas ações preventivas, temos hoje muitos municípios com boa parte de seu território seriamente comprometida por várias áreas que se encontram em situação de risco. Entendemos que essa situação indica a fase da gestão ou de intervenção nas áreas de risco. Para o gerenciamento dessas áreas, conforme já respondido anteriormente, um dos importantes instrumentos é a realização do mapeamento das áreas de risco. Esses mapeamentos permitem que a municipalidade, especialmente por meio de sua Defesa Civil, tenha um documento orientativo para a definição de ações ou para o estabelecimento de planos de contingência ou planos preventivos mínimos para se antecipar às ocorrências catastróficas. Basicamente, os mapeamentos indicam as áreas em situação de risco, graduadas em Risco 1, mais baixo, até Risco 4, mais alto. Obviamente, as ações de acionamento e as possíveis remoções emergenciais das pessoas devem inicialmente ser direcionadas para as comunidades situadas nos maiores graus de risco. Dito isso, entendo que podemos impedir novas implantações de áreas de risco, por meio de um adequado planejamento. Para as áreas de risco já existentes, até que não se identifique uma solução definitiva para o problema, acredito que os mapeamentos de risco e planos de contingência, quando bem gerenciados, são valiosos instrumentos para prevenir ou mitigar, com alguma antecedência, a ocorrência de eventos desastrosos.


(APROGEO-SP) Quais as ações ideais e quais seriam as ações possíveis na prevenção ou minimização dos desastres ocorridos na região serrana do Rio de Janeiro? E em São Luis do Paraitinga?

(Geóg. Rogério Ribeiro) São duas situações um pouco distintas entre si, mas também valem para elas as ações ideais de prevenção, preparação para emergências e desastres, resposta e reconstrução, conforme dito anteriormente. Em São Luiz do Paraitinga, interior de São Paulo, acompanhamos um evento de inundação da planície do Rio São Luiz do Paraitinga, onde o nível da lâmina d' água atingiu a marca recorde de aproximadamente 11 metros, causando um verdadeiro desastre natural. A ocupação do espaço neste município é histórica, sendo a cidade fundada por volta de 1760. Todo o seu desenvolvimento e crescimento se deu basicamente às margens desse rio, onde se concentra, inclusive, boa parte de seu patrimônio histórico cultural tombado. Para essa realidade, acredito que seja necessária a implantação de um plano de contingência a inundação que observe as características da dinâmica fluvial desta bacia hidrográfica. Outra ação pode ser o investimento de recursos para o desenvolvimento de obras estruturais e não estruturais necessárias para minimizar futuros eventos. No caso do desastre desse ano no Rio de Janeiro, penso que deverão ser realizados outros estudos geomorfológicos e geotécnicos capazes de obter nova compreensão da suscetibilidade e vulnerabilidade desses terrenos. A partir desses documentos, e observando o preconizado nas legislações ambientais e urbanísticas existentes, entendo que o poder público terá condições de fazer um novo planejamento do uso de seu espaço incorporando o perigo lá existente. É mais um momento oportuno para que os municípios atingidos direta ou indiretamente corrijam algumas situações anômalas de ocupação urbana, mesmo que, em alguns casos, seja necessária a remoção definitiva de moradias, empresas ou demais equipamentos públicos e privados.

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